Por Mônica Branco e André Castilho
“Cinema é como um sonho, como uma música. Nenhuma arte perpassa a nossa consciência da forma como um filme faz; vai diretamente até nossos sentimentos, atingindo a profundidade dos quartos escuros de nossa alma.” Ingmar Bergman
A sétima arte é um instrumento poderoso de expansão do nosso próprio universo, do micro para o macro e do macro para o micro, abrindo acesso às nossas mais profundas imagens internas: aqueles lugares que habitam em nós, tão individuais e inacessíveis aos outros, mas que definem quem realmente somos. Schoupenhauer dizia que “o mundo é minha representação”. Desde as pinturas das cavernas até as mais altas tecnologias de cinema e realidade virtual, o ser humano sente necessidade de colocar para fora suas imagens internas através da arte. E com a arte, nasceu o espectador. Como em frente a um espelho, o espectador reconhece, através da imagem alheia, fragmentos ou até mesmo a representação perfeita de um aspecto seu.
Podemos reconhecer uma lasca da nossa profunda intimidade através do olhar de um diretor que jamais virá a nos conhecer. Podemos ser presenteados por um espelho através de um personagem interpretado por um grande ator, ou ampliar o conhecimento sobre nós mesmos através de um arquétipo representado em uma história bem construída. Sabemos que estamos sendo tocados por um filme quando ele arranca uma emoção inesperada, uma lágrima. Ou nos transporta a uma memória já esquecida, propositalmente talvez. Todo mundo se recorda daquele filme que não saiu da cabeça por horas ou dias depois de assistido. Daquela cena que despertou os mais secretos desejos. Pedaços nossos contados através de imagens e que nos religam a nós mesmos.
Porém, nem sempre levamos nossas escolhas à consciência ou questionamos o por quê de sermos atraídos por determinado tipo de filme. Cabe a reflexão: o que eu escolho assistir é o meu lugar comum, minha zona de conforto? Ou percebo que no desconforto de um gênero de filme que eu evito, posso, em um nível mais profundo, acessar aquilo que eu preciso desenvolver e trazer à luz? Os medos, os padrões enraizados, os sentimentos guardados e emoções, a coragem, a fantasia. O que está oculto debaixo das minhas máscaras e que eu prefiro ver projetado no outro, apenas como telespectador, fingindo que não é comigo, que tudo não passa de ficção?
Para quem se propõe a crescer, todo filme pode trazer aprendizado. No clássico “O Fantasma da Ópera”, por exemplo, a estranha figura que vive no calabouço do teatro é quem ensina a mocinha a cantar. É através da integração dela com a sombra — que também vive no calabouço da nossa psique — que o talento é desperto. Em “O Mágico de Oz”, após um tornado atingir sua cidade, Dorothy está perdida, longe de casa, e começa a jornada em busca do Mágico de Oz, que lhe levará de volta ao lar. Para isso, adentra a estrada (que começa em espiral, símbolo da auto-evolução e do caminho espiritual) de tijolos dourados (símbolo da iluminação), enfrentando a Bruxa Malvada do Oeste com as ferramentas que vão lhe surgindo e sendo desenvolvidas durante o trajeto; o coração, a inteligência e a coragem (o leão, o homem de lata e o espantalho). Através dessa longa jornada, Dorothy se dá conta de que “não há lugar melhor do que o nosso lar”, ou seja, tudo o que precisamos está dentro de nós. São mensagens de busca universais, inerentes ao ser humano.
Se nos permitirmos sermos tocados por um filme além da superfície do balde de pipoca, abrindo as portas da nossa percepção para o subtexto de cada cena, podemos usar o cinema como ferramenta de autoconhecimento. Pois assim como o fotograma da película de um filme, somos feitos de luz e sombra. Lembre-se disso da próxima vez que estiver em dúvida sobre qual filme escolher no Netflix.