Muito além dos 30 segundos: storytelling

O processo criativo do curta-metragem “Reencontro”, produzido para a TAM Linhas Aéreas pela La Casa de la Madre

clima era de concentração no set. Todos ali, mesmo gravando madrugada adentro, queriam dar o melhor de si para que o projeto desse certo. Nosso diretor Jorge Brivilati conduzia os atores, dando brechas para o improviso, enquanto o diretor de fotografia William Sossai controlava as luzes de portas e janelas, para que transparecessem o mais natural possível. O espaço estava orquestrado junto a movimentos de câmeras mais longos, como planos-sequência.

O cenário reproduzido aí em cima bem lembra um set de filmagem de cinema. E era. Mas, com um pequeno detalhe, a finalidade deste curta-metragem era uma propaganda da marca TAM Linhas Aéreas. Uma obra de storytelling assinada pela La Casa de la Madre.

Ao decidirmos dar este passo à frente em filmes publicitários, optamos por uma linguagem cinematográfica em todos os sentidos. Fomos fiéis a esse caminho, desde o roteiro até a finalização.

Direção e montagem

Para realizar a direção do filme, foi preciso tornar-se quase um terapeuta dos atores, instigando-os a viver os personagens, com criações que emergissem de dentro deles, na camada do subconsciente, e, não, inseridas pelo diretor. Essa “terapia” só foi possível com a construção das minibiografias de cada um, desenvolvidas pelo próprio roteirista André Castilho, a pedido do diretor Jorge Brivilati.

É como se, no curta, revelássemos um trecho da história de vida daqueles avós com o neto. Mas quem eram eles? Como era a vida deles antes de estarem reunidos naquela casa, exatamente naquela tentativa de reconciliação?

Essas referências “imaginárias”, porém coerentes com a trama, foram essenciais para a criação de subtextos, que indicavam qual era a intenção emocional de cada cena. Por exemplo, na passagem em que os três estão reunidos em volta da mesa e o avô insiste em dizer ao neto que ele não os visitava há muito tempo. A avó, neste momento, interfere na fala, na tentativa de desviar o assunto, enquanto o neto justifica sua ausência.

O que vemos ali é um cenário de uma figura feminina apaziguando um conflito, que o espectador não sabe exatamente qual é, mas consegue se sentir tão incomodado quanto qualquer um dos personagens — seja a aflição da avó, a timidez do garoto ou a indignação levemente contida do avô.

Ou seja, quando as entrelinhas são desenvolvidas — processo que durou duas semanas, antes do diretor trabalhar diretamente com os atores-, a interpretação ganha em sua veracidade.

Essa verdade também foi potencializada, a partir do momento em que se trabalhou com a experiência de vida dos próprios atores (a propósito, fizemos questão de escolher profissionais de cinema, não de publicidade). Os veteranos Ivan de Almeida e Bri Fiocca, e o jovem Ariclenes Barroso usaram de suas referências internas para desenvolverem seus papéis. Afinal, quem nunca ouviu, ou passou, por desavenças familiares, afastamento de entes queridos e retomadas de afetos?

No set, a forma liberal de direção deu a chance aos atores de, ainda, trabalhar com o improviso — algo quase impensável quando se fala em publicidade, mas totalmente de acordo com a nossa finalidade de um curta-metragem

Assim, ao criarmos uma história a ser contada pela câmera — situação em que nos apropriamos do conceito cinético (tudo o que está em cena se complementa para transmitir uma ideia), não poderíamos deixar de amarrar a última ponta, a montagem. Nesta parte, entra o montador Daniel Weber que pôde criar em cima da premissa de não picotar a trama, mas pensar no clima de cada cena e no desenrolar da narrativa.

Por isso, o que se vê no resultado final são planos mais longos, muitos deles abertos, onde situações cotidianas acontecem. Uma cortina que voa ao fundo, a avó que se levanta e sai do ambiente, a conversa entre o avô e o neto, que vai da felicidade da entrega de um presente, até uma expectativa frustrada.

Tudo acontece em seu devido tempo, com respiro, dando a liberdade ao espectador de olhar, com calma, o que mais lhe interessa na cena e, acima de tudo, dando a oportunidade de vivenciar a história até o fim.


Fotografia, arte e figurino

O que diferencia uma publicidade de um curta-metragem é a sua linguagem. A partir do momento em que se assume esse desafio, toda a equipe deve caminhar junta para essa finalidade. E o resultado deste curta não teria seu êxito, se as cabeças do projeto não estivessem tão entrelaçadas.

A sintonia entre o diretor Jorge Brivilati e o diretor de fotografia William Sossai já vinha de outros trabalhos, uma afinidade importante para este salto em um produto audiovisual.

Foram atrás de uma casa — principal cenário do filme, onde abarcasse todos os elementos primordiais para a fotografia. Ela precisava ter uma boa iluminação, para utilizar a luz diegética (o uso de fontes reais — ou bem próximo a elas — para iluminar o set), e possuir zonas claras e escuras, a fim de acentuar a dramaticidade das cenas, da forma mais natural possível.

Ao mesmo tempo, o espaço teria que ser grande o suficiente para os atores se movimentarem, com a possibilidade de planos-sequência, considerado o potencial máximo da cinemática. Além de ter objetos que dialogassem com a família da história, nem tão rica, nem tão pobre.

Com a escolha da casa, o estudo passou para a estética escolhida, o Teal and Orange. Aplicar este recurso apenas na finalização do filme, traria uma artificialidade que não nos agradaria. Por isso, o diálogo entre a fotografia e a diretora de arte Miwa Shimosakai era essencial, logo no começo. A paleta de cor nos objetos e nos figurinos (como bege, amarelo, castanho e azul) e as texturas que criariam uma profundidade nos frames do filme, todos esses elementos teriam que convergir para Teal and Orange. E assim foi feito minuciosamente em cada cena.

Em paralelo com o trabalho das cores, fomos atrás do que gostaríamos de desenvolver como filme. Muitos diretores atuais, como o premiado cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, inspiram-nos. Mas resolvemos beber na fonte dos clássicos as referências para os detalhes que queríamos desenvolver.

Pasta de pré-produção: storyboard, casting, figurino, arte, etc.

Akira Kurosawa e Andrei Tarkovski para o movimento de cena dos personagens, Max Ophüls e Theo Angelopoulos, a movimentação de câmera, e Robert Bresson com o seu minimalismo, ao trabalhar narrativamente os planos das mãos (importante no momento, por exemplo, em que o avô dá o envelope ao neto).

Hoje, com o filme pronto, tivemos a certeza de que, se um trabalho é, desde sua gênese, pensado e executado para determinado conceito, o material bruto será apenas lapidado em sua finalização, tornando-o ainda melhor.

 

Roteiro

Seestamos pensando em fazer um filme que fuja dos padrões publicitários e se encaixe numa linguagem de cinema, então, o roteiro é a base para todo o processo seguinte estar de acordo com o intuito inicial.

Para isso, nosso roteiro, criado por André Castilho, tem um conceito primordial: é uma história a ser contada pela câmera.

Ao optarmos pelo formato de um curta-metragem, significa que a trama deve ser complementada com artifícios cinematográficos, ou seja, objeto, atuação, movimento de imagem e áudio, resultando numa multiplicação de ações que só o cinema pode mostrar. O roteiro precisa dar abertura a essas criações.

Um exemplo está na cena de retratação do neto. A cena emotiva estava prevista no roteiro, mas ela se complementa e ganha força com a direção. Brivilati posicionou o neto sentado num degrau, ao lado do avô, que está na cadeira, demonstrando a questão hierárquica avô e neto e, até mesmo, um respeito do mais novo com o mais velho. O neto começa a falar das estrelas, revelando uma memória afetiva, até que surpreende o avô com a notícia de que ele vai na viagem, mas quer que o avô vá junto com ele. Este é o turning point, uma cena de emoção, que se transforma em cômica — e surpreende — quando o avô mata um inseto com a raquete e os dois caem na risada. Toda a cena foi potencializada com o espaço e o tempo da ação, só possível em um filme.

Assim como o momento descrito acima, Castilho criou um roteiro entremeado por diálogos reais, com situações que soam familiares para a maioria das pessoas — até mesmo por ele, que se baseou em situações vividas na relação com seus avós (por sinal, Francisco e Maria são os nomes de seus avós paternos). É uma maneira de capturar o espectador, a partir do momento em que ele se identifica com os personagens e suas ações. Quando se tem essas referências internas, a comunicação com o público é quase imediata.

Essa ligação se dá também com as lacunas deixadas pelo roteiro, que lançou mão do didatismo, em prol de falas sugestivas, a serem preenchidas na imaginação do próprio espectador. Nem todas as informações sobre a vida desses personagens foram reveladas. Quem vê o curta, não sabe o que aconteceu entre o pai e o avô. Apenas compreende que houve um conflito entre ambos e que, por isso, o neto foi afastado. Mas não há nenhuma fala explícita sobre o assunto. A mudança de protagonismo é uma marca desta narrativa. Com o passar do filme, percebe-se que o protagonista não é o neto — impressão inicial -, mas sim o avô. Uma mudança sutil que ocorre da metade em diante. Toda a realidade com que se dá a trama intenciona as cenas, sem empobrecer a narrativa com excesso de explicações nem subestimando o público, mas sim, fisgando-o.


Se há tempo para os momentos de cena acontecerem e se tudo for justificado naturalmente — seja na escolha dos atores, no diálogo, na interpretação, na luz ou na montagem, então, estamos falando de cinema e avançamos na busca por uma publicidade mais sincera e menos ludibriante. Isso é storytelling.


Assista ao making of:

 

Trailer:

 

Filme completo: