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André Castilho

Histórias de impacto e o caminho da irrelevância

By | alma, André Castilho, branded content, criatividade, histórias de impacto, marketing, publicidade, storytelling

No auge da crise das queimadas na Amazônia, no final de agosto, eu recebi um áudio pelo Whatsapp de um amigo indígena da tribo dos Huni Kuin, que vive em uma das aldeias que mais castigadas. Ele me disse que estavam botando fogo criminoso na aldeia, e que membros de outras tribos haviam relatado tiros de metralhadora em plena madrugada para intimidá-los.

O caminho óbvio para mim seria fazer um vídeo denunciando os fatos, mas diante da dificuldade logística de ir para a Amazônia e da falta de disponibilidade de alguns parceiros para aquele exato momento, eu optei por dar voz ao cacique Tupi Ará Aruanã e compartilhar seu texto (intitulado “Carta à Humanidade: O Último Suspiro da Floresta”) em uma das páginas que eu tenho no Facebook, que possui cerca de 2 mil seguidores. Tratava-se de uma obra de ficção, uma história que eu escrevi, baseada nas denúncias que eu havia recebido. Veja o post aqui.Como minha base de seguidores era muito pequena, investi R$ 65 reais no impulsionamento do post e, então, a magia aconteceu.

Em 3 dias (período da campanha), a história havia recebido mais de 600 compartilhamentos, que multiplicados organicamente ao longo dos dias totalizam 954 compartilhamentos e 269 comentáriosA título de comparação, o Greenpeace divulgou um vídeo de sensibilização para o tema em sua página do Facebook no final de agosto com a hashtag #TodosPelaAmazônia e atingiu a marca de 217 compartilhamentos e 213 comentários. A página deles no Facebook tem 3.2 milhões de seguidores.

Qual é a lição que podemos tirar desse experimento? Que hoje, só há lugar para HISTÓRIAS DE IMPACTO.

Eu desafio você, diretor ou gerente de marketing que está me lendo agora, a convocar a sua agência e pedir para o VP de criação uma história que seja compartilhada 954 vezes com 65 reais de investimento de mídia. Pode produzir um vídeo de 1 milhão de reais ou escrever um simples texto, não importa, desde que você bata os meus números. Pra te colocar em condições de igualdade neste desafio, não precisa assinar com a sua marca. Só escolhe uma causa e vai fundo. Faz esse exercício e depois me conta como foi.

Se você não for bem-sucedido no desafio, não se desespere. A sua empresa não é a única fadada à irrelevância. Em uma década, 50% das top 500 empresas da Forbes serão riscadas da lista. É claro que existem dezenas de outros fatores, mas uma coisa eu garanto: dinheiro nenhum vai salvar a sua empresa sem investimento em narrativas de impacto.

 

Foto da capa: pixundfertig / Pixabay

Resgate a sua criança interior

Como resgatar a sua criança interior

By | André Castilho, criatividade

Fiquei emocionado quando dias atrás eu vi o comercial da Nike sobre futebol feminino. A história era de uma garotinha que arrancou a cabeça da boneca para jogar futebol, e em seguida, disse a frase: “Nada contra bonecas, mas é que eu sempre gostei de futebol”. Quantas vezes nós, quando éramos crianças, não ouvimos algo parecido? “Não brinca de boneca”, “Não brinca de carrinho.” “Menina não solta pipa.” “Menino não deve chorar.” E assim, fomos moldados segundo o que uma sociedade sempre esperou de nós – e, não é à toa que existem tantas pessoas frustradas na vida, seja com o trabalho, seja com a vida que escolheu seguir, sem ao menos saber o porquê.

A imagem da menina que arranca a cabeça da boneca para jogar bola é muito poderosa e simbólica: precisamos ressignificar o que nos dão como peças do jogo. E uma criança sabe fazer isso como ninguém. Inventam novas brincadeiras com os colegas, cantam musiquinhas com o que ouvem, encenam diálogos, criam cenas, constroem cabaninhas, brincam com os bichinhos de estimação. Enfim, são criativas até o limite e fazem disso o seu universo ilimitado de possibilidades.

Menos recursos, mais criatividade

Uma pesquisa da Universidade de Toledo, nos EUA, comprovou uma hipótese inusitada: crianças que têm menos brinquedos são mais criativas e brincam melhor. Isso quer dizer, necessariamente, que quanto menos você tem, mais você precisa inventar. E o inventar está diretamente ligado ao exercício da criatividade nas suas mais variadas nuances. Basta ver o quanto essa hipótese, que parece até muito simplista, tem sido replicada para situações outras, como a criação de um armário cápsula, por exemplo, no qual você possui apenas 60 peças entre roupas, sapatos e acessórios, para criar looks diversos – sabe aquela história de que menos é mais? Ter menos estimula a nossa criatividade e nos faz ter mais contentamento com as coisas que temos.

Essa criança interior faz parte do que você é

Resgatar a criança interior, em suma, é voltar a criar com pouco e se divertir com isso (ou seja, parar de dar desculpas para começar algo novo) e, claro, lembrar-se daquelas pessoas que tanto disseram que você não era capaz, e resgatar aquela criança acuada que tanto fazia coisas novas sem medo do que as pessoas estavam pensando sobre ela. Quando chega a época de outubro e as pessoas mudam as fotos dos perfis do Facebook para quando eram crianças, eu penso sobre a criança que fui. Nos quantos “nãos” eu ouvi, em quantas vezes eu inventei novas brincadeiras até o sol se pôr, que era quando a minha mãe me pedia para voltar pra casa. Enfim, muito mais do que um resgate dessa criança, olhe com carinho para o que você foi, perdoe e se reconcilie com aquele ser pequenino, que só queria ser feliz e brincar e mais nada.

No meu canal do YouTube, “Empreendedor Criativo”, eu gravei dois vídeos onde ensino a resgatar a criança interior. Confira:

 

Como está a sua criança interior? Vá brincar com ela – com a vantagem de que agora a sua mãe não vai mais te chamar para entrar em casa.

Abraço,

André Castilho

Você é invisível na sua empresa?

By | André Castilho, RH, storytelling

Por André Castilho (artigo publicado originalmente na revista RH Pra Você)

O valor de uma pessoa pode ser medido pelas histórias que ela carrega em sua biografia. Mas como ter o nosso valor percebido dentro de uma empresa, quando não existe a oportunidade de compartilharmos nossas melhores histórias? Seja por nos sentirmos diminuídos dentro da hierarquia, por não nos vermos como protagonistas de nenhuma epopeia, ou simplesmente por não sermos encorajados, acabamos por guardá-las em um baú empoeirado, misturadas a outras coisas sem valor. E assim, vamos nos acostumando a seguir o script que nos é dado, sem que ninguém saiba quem somos, passando invisíveis aos olhos dos nossos colegas e superiores.

Um exemplo da transformação que as histórias causam em um grupo é quando chegamos no aniversário de um amigo e somos apresentados à roda de convidados. No começo, todos aqueles rostos parecem iguais e até intimidadores. Os nomes fogem da memória antes mesmo de desapertar o aperto de mão. É desconfortável se manter na roda, porque ninguém tem a menor afinidade com você – e nem você com alguém. Dói perceber que toda a sua existência e construção de identidade de décadas são insignificantes para aquele grupo, e o seu único amigo ali é o copo de bebida. Até que alguém resolve quebrar o gelo e vem puxar assunto: “de onde você conhece o Fulano?”, “e você faz o que da vida?”, “ah, que legal, você também pratica yoga! Ashtanga ou Hatha?”. E então, como num passe de mágicas, antes mesmo que o drink esvazie, vocês passam a existir uns para os outros. “Qual o seu nome mesmo?”. Dessa vez o cérebro guarda. “Me adiciona no Instagram”, “pega o meu Whatsapp”. Por que isso aconteceu tão rápido? Porque ambos trocaram pequenas histórias que revelam muito de quem vocês são. Com isso, criaram empatia um pelo outro. O que, no ambiente corporativo, é sinônimo de colaboração.

Faça o teste aí, na sua empresa. Olhe ao seu redor, por cima da sua baia. Você sabe o nome de todas as pessoas do seu departamento? Você sabe quem são essas pessoas, para além do papel social que ocupam dentro do escritório? Qual desses crachás esconde a dor de uma perda recente na família? Qual dessas mulheres enfrenta diariamente o escuro e as ruas desertas da periferia para pegar um ônibus às 5h da manhã e botar comida no prato do filho? E você? Alguém já te perguntou sobre a jornada que te trouxe até aqui? Você já contou para algum colega que você gostava de fazer shows de mágica nas festas de família, mas que hoje tem medo de falar em público? E aí, na devolutiva, essa pessoa lhe confessou que sempre quis aprender a dançar, mas que nunca se sentiu capaz? Como seria a relação entre vocês a partir deste dia?

Mas se as histórias de cada um não são muito conhecidas por aí, onde você trabalha, por outro lado, provavelmente todos os departamentos já estão comentando da assistente do diretor que recebeu uma promoção “porque ele gosta de loira” – e nem cogitam que, talvez, ela possa ter subido de cargo pelo seu talento. Ou que o Felipe, da contabilidade, e a Jussara, da limpeza, estão tendo um caso, escondidos. Absurdo! Mas a notícia da semana foi o climão que ficou quando a Juliana, do financeiro, “desfilou” o dia inteiro com a calça manchada de sangue menstrual, porque seu absorvente vazou no meio de uma reunião.

A fofoca é a modalidade de storytelling que reina absoluta no ambiente corporativo. Uma ferramenta inata do ser humano, que pulveriza veneno pelos corredores acarpetados e cria clãs de vikings dentro dos departamentos. Infelizmente, a maioria das empresas experimenta apenas os aspectos negativos do poder das histórias. Mas existe uma solução: cultivar um jardim livre de veneno e ervas daninhas, para que as borboletas possam se aproximar. Ao profissional de RH, cabe a maestral tarefa de incentivar e fornecer todos os recursos para que seus colaboradores aprendam – e se encorajem – a garimpar aquele velho baú esquecido para encontrar suas jóias perdidas. Imagina o impacto positivo que vai acontecer quando você, eu, a pessoa que senta do outro lado do seu monitor, conseguirmos olhar para o outro e enxergarmos um espelho, percebendo que o tempo todo estivemos invisíveis não para o mundo, mas para nós mesmos.

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(Foto por Ben White sob licença gratuita do Unsplash)

Admirável Mundo Novo

By | André Castilho, branded content, marketing, publicidade, storytelling

O ano é 2030. Mark Zuckerberg é julgado pela Corte Internacional de Justiça e condenado à prisão por apropriação indevida da identidade de milhões de usuários, cobrando-lhes royalties para uso da própria imagem. Executivos do Vale do Silício protestam, desativando suas redes sociais por 24 horas, causando um motim tão grande entre a população que o Tribunal é forçado a anular a decisão. Apesar disso, o Facebook já não passa de um cemitério de perfis abandonados e novas redes sociais estão em voga, grande parte delas pertencentes a Zuckerberg.  

Os maiores influencers da atualidade são avatares de inteligências artificiais com interface humana, que criam e distribuem conteúdo autômato e personalizado para a timeline de cada indivíduo, a partir da coleta de big data em tempo real dos hábitos de navegação, conversas privadas, expressões faciais e níveis hormonais de bilhões de usuários, captados pelas câmeras, softwares espiões e sensores instalados em 100% dos dispositivos móveis. A tendência veio para ficar. A Suécia é o primeiro país a legitimar o casamento entre um ser humano e uma inteligência artificial.

O conteúdo criado por humanos ainda resiste. O letreiro de Hollywood é substituído pelo logotipo do Netflix e milhares de plataformas de streaming florescem, cobrindo os mais impensáveis nichos de interesse. Nem todos os canais oriundos da TV conseguem migrar seu público para o streaming, vendendo seu espólio de conteúdos produzidos ao longo de décadas a preço de banana para quitar dívidas com credores. A publicidade interruptiva é proibida em 17 países. No Brasil, a TV a cabo está oficialmente morta e a TV aberta subsiste da locação do horário nobre para igrejas evangélicas. Na programação, reprises patrocinadas por anunciantes de produtos geriátricos, já que este é o único público que ainda consome o formato. A última agência de publicidade sustentada por comissões de mídia fecha as portas. A Globo é vendida ao magnata da mídia Felipe Neto.

As grandes marcas ignoraram todos os sinais de transformação dos últimos anos, e a maior parte delas paga um preço alto pela escolha de continuarem dependentes da base de audiência alheia, contando com a boa vontade dos influencers para produzirem mensagens com alguma relevância a um público emprestado. Para piorar, os poucos publishers que sobraram – e que também locavam sua base de audiência – já não têm alcance suficiente para massificar um conteúdo patrocinado.

Por outro lado, cerca de 10 anos atrás, algumas empresas começaram a investir na criação de conteúdos originais e na construção de uma base sólida de audiência, através de uma plataforma própria de streaming, passando sem grandes problemas pelos blecautes causados pelo esvaziamento em massa de usuários do Facebook e Instagram e do fechamento do YouTube em mercados europeus, após a implementação do Artigo 13, o que atingiu em cheio 90% das empresas, já que esses eram os únicos pontos de contato que elas possuíam com seus consumidores.

Hoje, as marcas que investiram lá atrás em montar seus próprios Netflix, faturam mais com conteúdo e licenciamento do que com a venda dos produtos e serviços que originalmente ofertavam. Algumas delas aderiram a modelos híbridos de negócio, que foram muito bem-sucedidos. Ao invés de oferecerem conteúdo gratuito – o que a longo prazo seria insustentável para muitas -, ou serviço de assinatura – cujo modelo já se vê saturado -, elas atrelaram o acesso à plataforma ao consumo dos seus produtos. A Nike, por exemplo, oferece 1 ano de acesso ao Nikeflix a quem comprar um tênis da linha Air, e 3 meses a quem realizar uma compra de pelo menos R$ 50 em suas lojas. Quem não consome nenhum produto da marca, fica de fora da plataforma. Consumidores que gastam mais de R$ 300 ao mês têm acesso antecipado a séries inéditas, que só estarão disponíveis aos demais usuários 6 meses depois. Clientes com maior pontuação no programa de fidelidade da empresa podem colaborar com os autores das séries em um fórum fechado, sugerindo interferências na trama, votando em enquetes sobre as possibilidades de desfechos, alterando o destino dos personagens e até fazendo uma ponta como figurante em um dos episódios.

Se em 2019, o storytelling parecia desgastado pelo mau uso da expressão por pseudo-gurus do marketing, em 2030, ele está no centro da estratégia de qualquer empresa, provando que a história continua sendo a ferramenta mais poderosa criada pela humanidade. Em tempos de inteligência e relações artificiais, é ela que nos conecta e nos ajuda a resgatar a identidade que nos foi usurpada.

*Esta é uma obra de ficção. Qualquer relação com eventuais acontecimentos futuros é mera coincidência.

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(Foto por Andy Kelly sob licença gratuita do Unsplash)

Empreendedores de final de semana

By | André Castilho, empreendedorismo

Créditos da foto: Stephanie McCabe sob licença do Unsplash

Mais um final de semana. Mais uma chance de começar aquele projeto que vai te libertar da prisão do emprego que você odeia. 

Por André Castilho

Sexta. Happy hour da firma. Sem o chefe. Gravata desapertada, terno pendurado no encosto da cadeira, sachê de ketchup arrastando na batata frita. Os colegas de baia unidos, tomando cerveja, contando vantagem, compartilhando frustrações, vomitando os sapos da semana, contando um segredo sobre uma suposta conversa do presidente na cabine do lado no banheiro que vocês precisam prometer que não vão contar pra ninguém, esbravejando discursos carregados de verdades a serem ditos no RH no dia em que ganharem na mega-sena. Você entra no jogo: ri, abraça, faz piada, fala mal dos outros. Mas você não se sente um deles. Ao contrário desses fracassados sem futuro nem esperança, mergulhados em puro desespero, você está sereno como um monge meditando em uma colina do Himalaia. Porque por trás da interface do amigão boa praça, você guarda um segredo que te separa dos demais mortais do seu departamento. Ao contrário deles, você tem um plano B. Que será botado em prática amanhã. O garçom traz mais uma.

Sábado. Você prometeu a si mesmo acordar bem cedo para finalmente começar a tirar do papel o tal plano: ter um negócio próprio. Não só próprio, como revolucionário. Mas a ressaca de ontem roubou a sua manhã e você tem um almoço marcado há um mês com a família da sua esposa. Enquanto te serve o bacalhau, seu sogro faz perguntas investigativas sobre seu emprego, tentando definir se você é ou não um homem de sucesso. Você toma cuidado para não engasgar com a azeitona. Você ganha uma palestra grátis sobre as responsabilidades de um chefe de família, sobre a importância de se ter estabilidade no emprego, sobre os sacrifícios que devem ser feitos para subir na vida. Seu cunhado desempregado interrompe a conversa para contar sobre a mais nova ideia que teve para ficar rico, mas ninguém dá bola e você sente pena do pobre coitado, porque sabe que ele jamais vai botar em prática nenhuma das ideias que chegam a ser infantis de tão rasas. Por um súbito instante, um gelo toma sua alma e você se enxerga naquele homem. Bobagem. Você tem um emprego. A sua ideia é infinitamente superior. Além do mais, você tem um plano inteiro traçado na sua cabeça.

Domingo. Você acorda disposto e feliz porque, na madrugada anterior, terminou de assistir a última temporada da série que comeu todo o seu tempo nos últimos 4 finais de semana. Finalmente, você está totalmente mindfullness para trazer para o plano da matéria o seu novo negócio. Se você focar todos os finais de semana – tirando o carnaval (porque até Deus é brasileiro), o feriado que você vai aproveitar pra visitar seus parentes (sua avó não vai durar para sempre) e o final de semana emendado com o seu saldo do banco de horas (você achou um pacote imperdível pro Nordeste) – em poucos meses você estará pronto para dar o pulo do gato, pedir as contas daquele emprego miserável e botar todo o seu potencial enquanto ser humano holístico a pleno vapor, sendo dono do seu próprio negócio.

O telefone toca e você pensa duas vezes antes de atender. É o seu amigo de infância te chamando pra almoçar junto com a rapaziada das antigas. Você diz que não pode, porque tem que trabalhar em cima de um projeto, mas ele te chantageia dizendo que você é sempre ocupado para os amigos, que a vida vai passar e você só pensou em trabalho. Você negocia com você mesmo e conclui que tudo bem adiar o seu sonho por algumas horas, que depois você compensa com foco total.

Tem fila de espera no restaurante, mas tudo bem, seus amigos já inauguraram o balde de cerveja na beira da calçada. Você promete que vai beber só um pouco, pra não perder a energia vital produtiva que sentiu ao acordar. Na mesa, todos optam por feijoada, apesar de não ser sábado. Na primeira garfada, a barrinha de energia cai para 30%. Já com a graduação alcoólica satisfatória, você resolve compartilhar a ideia da empresa que vai lançar em breve. A plateia de amigos nem pisca enquanto você conta, com o entusiasmo de um garoto, seu plano de criar uma marca de frutas congeladas in natura. Polpa? Não, não. Manga, banana, carambola, abacaxi, melancia, tirados intactos da natureza, descascados, cortados em nacos, congelados, espetados num palito reflorestado, envelopados numa embalagem descolada com letras coloridas garrafais dizendo “100% fruta e nada mais” e vendidos como se fossem picolés. Você até já tem um nome comercial apelativo: Frutalé. Ou Naturvete, ainda não está totalmente definido. Você esboça o logotipo num guardanapo. Já tinha mais ou menos na sua cabeça. “Genial”, conclui o primeiro amigo. “Ele sempre teve umas ideias diferentes, desde a época da escola”, bem lembra o outro. “Alguém aqui tinha que se dar bem na vida, né?”, diz o terceiro, já vislumbrando o empréstimo que vai te pedir em breve. “Vai revolucionar a indústria de sorvetes e picolés”, profetiza o velho garçom, enquanto pega de volta a caneta para anotar mais uma cerveja. Pronto, agora o seu ego parece um travesseiro da Nasa. Você está confiante e nada pode te parar, porque você tem a aprovação dos caras que você mais considera na vida e que jamais mentiriam para você.

“E aquela máquina de fazer pizza quadrada, não foi pra frente?”, alguém comenta. Aí você lembra que já teve a ideia de vender pizza quadrada. “Eu gostava daquele aplicativo de alugar o wifi para os vizinhos. Esse ia bombar. Unicórnio que chamam essas empresas, né?”. Sua visão fica turva. Você deixa sua parte da conta na mesa e se despede sem dar maiores explicações. Ainda no elevador do prédio, você corre para abrir um perfil no instagram: @frutale. Já existe. @naturvete. Tem 5 seguidores e não postou nada. Você não tem uma terceira opção de nome na manga. Já está anoitecendo. As horas voaram. Você lembra que o horário de verão acabou ontem e pensa que talvez não seja um bom negócio criar uma marca de frutas congeladas em forma de sorvete em pleno outono. Ouvi dizer que vai fazer frio. Você liga a TV. Está começando o show da vida, com o Zeca Camargo te lembrando que o seu tempo de sonhar acabou.

Segunda. Sono. Congestionamento. Esporro do chefe. Reunião sem fim. Café. Fofoca. Relatório na mesa. Call com o cliente. Ainda não é meio-dia e você só pensa no seu plano B. Talvez seja a hora de retomar o projeto da pizza quadrada. Faltam só mais 103 horas para o happy hour de sexta.

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Créditos da foto: Stephanie McCabe sob licença do Unsplash