Mais um final de semana. Mais uma chance de começar aquele projeto que vai te libertar da prisão do emprego que você odeia.
Por André Castilho
Sexta. Happy hour da firma. Sem o chefe. Gravata desapertada, terno pendurado no encosto da cadeira, sachê de ketchup arrastando na batata frita. Os colegas de baia unidos, tomando cerveja, contando vantagem, compartilhando frustrações, vomitando os sapos da semana, contando um segredo sobre uma suposta conversa do presidente na cabine do lado no banheiro que vocês precisam prometer que não vão contar pra ninguém, esbravejando discursos carregados de verdades a serem ditos no RH no dia em que ganharem na mega-sena. Você entra no jogo: ri, abraça, faz piada, fala mal dos outros. Mas você não se sente um deles. Ao contrário desses fracassados sem futuro nem esperança, mergulhados em puro desespero, você está sereno como um monge meditando em uma colina do Himalaia. Porque por trás da interface do amigão boa praça, você guarda um segredo que te separa dos demais mortais do seu departamento. Ao contrário deles, você tem um plano B. Que será botado em prática amanhã. O garçom traz mais uma.
Sábado. Você prometeu a si mesmo acordar bem cedo para finalmente começar a tirar do papel o tal plano: ter um negócio próprio. Não só próprio, como revolucionário. Mas a ressaca de ontem roubou a sua manhã e você tem um almoço marcado há um mês com a família da sua esposa. Enquanto te serve o bacalhau, seu sogro faz perguntas investigativas sobre seu emprego, tentando definir se você é ou não um homem de sucesso. Você toma cuidado para não engasgar com a azeitona. Você ganha uma palestra grátis sobre as responsabilidades de um chefe de família, sobre a importância de se ter estabilidade no emprego, sobre os sacrifícios que devem ser feitos para subir na vida. Seu cunhado desempregado interrompe a conversa para contar sobre a mais nova ideia que teve para ficar rico, mas ninguém dá bola e você sente pena do pobre coitado, porque sabe que ele jamais vai botar em prática nenhuma das ideias que chegam a ser infantis de tão rasas. Por um súbito instante, um gelo toma sua alma e você se enxerga naquele homem. Bobagem. Você tem um emprego. A sua ideia é infinitamente superior. Além do mais, você tem um plano inteiro traçado na sua cabeça.
Domingo. Você acorda disposto e feliz porque, na madrugada anterior, terminou de assistir a última temporada da série que comeu todo o seu tempo nos últimos 4 finais de semana. Finalmente, você está totalmente mindfullness para trazer para o plano da matéria o seu novo negócio. Se você focar todos os finais de semana – tirando o carnaval (porque até Deus é brasileiro), o feriado que você vai aproveitar pra visitar seus parentes (sua avó não vai durar para sempre) e o final de semana emendado com o seu saldo do banco de horas (você achou um pacote imperdível pro Nordeste) – em poucos meses você estará pronto para dar o pulo do gato, pedir as contas daquele emprego miserável e botar todo o seu potencial enquanto ser humano holístico a pleno vapor, sendo dono do seu próprio negócio.
O telefone toca e você pensa duas vezes antes de atender. É o seu amigo de infância te chamando pra almoçar junto com a rapaziada das antigas. Você diz que não pode, porque tem que trabalhar em cima de um projeto, mas ele te chantageia dizendo que você é sempre ocupado para os amigos, que a vida vai passar e você só pensou em trabalho. Você negocia com você mesmo e conclui que tudo bem adiar o seu sonho por algumas horas, que depois você compensa com foco total.
Tem fila de espera no restaurante, mas tudo bem, seus amigos já inauguraram o balde de cerveja na beira da calçada. Você promete que vai beber só um pouco, pra não perder a energia vital produtiva que sentiu ao acordar. Na mesa, todos optam por feijoada, apesar de não ser sábado. Na primeira garfada, a barrinha de energia cai para 30%. Já com a graduação alcoólica satisfatória, você resolve compartilhar a ideia da empresa que vai lançar em breve. A plateia de amigos nem pisca enquanto você conta, com o entusiasmo de um garoto, seu plano de criar uma marca de frutas congeladas in natura. Polpa? Não, não. Manga, banana, carambola, abacaxi, melancia, tirados intactos da natureza, descascados, cortados em nacos, congelados, espetados num palito reflorestado, envelopados numa embalagem descolada com letras coloridas garrafais dizendo “100% fruta e nada mais” e vendidos como se fossem picolés. Você até já tem um nome comercial apelativo: Frutalé. Ou Naturvete, ainda não está totalmente definido. Você esboça o logotipo num guardanapo. Já tinha mais ou menos na sua cabeça. “Genial”, conclui o primeiro amigo. “Ele sempre teve umas ideias diferentes, desde a época da escola”, bem lembra o outro. “Alguém aqui tinha que se dar bem na vida, né?”, diz o terceiro, já vislumbrando o empréstimo que vai te pedir em breve. “Vai revolucionar a indústria de sorvetes e picolés”, profetiza o velho garçom, enquanto pega de volta a caneta para anotar mais uma cerveja. Pronto, agora o seu ego parece um travesseiro da Nasa. Você está confiante e nada pode te parar, porque você tem a aprovação dos caras que você mais considera na vida e que jamais mentiriam para você.
“E aquela máquina de fazer pizza quadrada, não foi pra frente?”, alguém comenta. Aí você lembra que já teve a ideia de vender pizza quadrada. “Eu gostava daquele aplicativo de alugar o wifi para os vizinhos. Esse ia bombar. Unicórnio que chamam essas empresas, né?”. Sua visão fica turva. Você deixa sua parte da conta na mesa e se despede sem dar maiores explicações. Ainda no elevador do prédio, você corre para abrir um perfil no instagram: @frutale. Já existe. @naturvete. Tem 5 seguidores e não postou nada. Você não tem uma terceira opção de nome na manga. Já está anoitecendo. As horas voaram. Você lembra que o horário de verão acabou ontem e pensa que talvez não seja um bom negócio criar uma marca de frutas congeladas em forma de sorvete em pleno outono. Ouvi dizer que vai fazer frio. Você liga a TV. Está começando o show da vida, com o Zeca Camargo te lembrando que o seu tempo de sonhar acabou.
Segunda. Sono. Congestionamento. Esporro do chefe. Reunião sem fim. Café. Fofoca. Relatório na mesa. Call com o cliente. Ainda não é meio-dia e você só pensa no seu plano B. Talvez seja a hora de retomar o projeto da pizza quadrada. Faltam só mais 103 horas para o happy hour de sexta.
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Créditos da foto: Stephanie McCabe sob licença do Unsplash